quarta-feira, julho 22, 2009

Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você é os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Ipanema, Maresias, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra.
Você é a saudade que sente de sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora.
Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, você é o pelo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o caminho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda.
Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o que você queima.
Você é aquilo que reivindica, o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia.
Você não é só o que come e que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê.
Você é o que ninguém vê.

(Marta Medeiros)

terça-feira, julho 07, 2009


"Meu mundo se resume a palavras que me perfuram, a canções que me comovem, a paixões que já nem lembro, a perguntas sem respostas, a respostas que não me servem, à constante perseguição do que ainda não sei. Meu mundo se resume ao encontro do que é terra e fogo dentro de mim, onde não me enxergo, mas me sinto."Marta Medeiros"

segunda-feira, julho 06, 2009

Michael, Forever


Num tempo de brincar e fantasiar
Lá estava ele, envolvido em trabalho, rígida disciplina de ensaios, shows,
Sob a batuta implacável de um pai violento.
Ali, sua estrela já brilhava, assim como sua linda voz e um largo sorriso.
Nos ciclos naturais da vida, tristemente invertidos
Num tempo de maturidade, lá estava ele,
Morando dentro de um enorme parque de diversões,
Sorrindo e brincando com outras crianças,
Seu deleite adiado, e tão duramente questionado.
Possivelmente, Michael estava dando voz à sua alma sonhadora e delicada,
Reivindicando a cura de um tempo não vivido, feridas que não se calam.
Um destino complexo, paradoxal
Que em vários momentos, semelhante a uma roda gigante,
Ora descia, ora subia, surpreendendo a todos.
Brilho e decadência,
Sombra e luz,
Black or White.
Sua música, seu dançar único, alegria e imagens embalaram nossos
sonhos, corpos e amores, melodias e letras se fundem a imagens
geniais, belas e universais.
A magia de sua presença continuará para sempre.
Afirmava ser Peter Pan, a criança eterna, o “ puer aeternus”,(*)
A recusa da realidade e da finitude, do tempo que não passa
E que guardará , sorte nossa, a magia de sua presença.
Assim, que os céus acolham seu brilho em alguma constelação
Bordando mais uma estrela em seu fundo infinito
Pois mitos habitam em nosso imaginário,
Espelhos e projeções das nossas profundas contradições humanas,
Bem representadas por uma sinfonia agridoce,
Sua rápida e inspiradora jornada por aqui.
Tereza Kawall
Obs*:Puer aeternus: arquétipo da eterna criança, tende a unificar: o Herói, a Criança Divina, as figuras de Eros, o Filho da Grande Mãe, Mercúrio-Hermes, o Trickster. Nele vemos um leque mercurial dessas “ personalidades”: narcisista, inspirado, efeminado, fálico, inquisitivio, inventivo, pensativo, passivo, fogoso e caprichoso.Citação de James Hillman, analista junguiano, em : “Senex e Puer”.

domingo, julho 05, 2009

A Era do Compacto

Por M.Medeiros
" Não aguento nada muito LONGO: filme de 3 horas, peça de teatro com mais de uma hora, só o que não me inibe é livrão - apesar de não ser lá muito agradável segurar um tijolaço. Tampouco gosto de me estender demais nos restaurantes. Não gosto de me estender em festas. Não gosto de me estender demais fora da minha casa e fora da minha rotina. Não gosto de nada que extrapole o tempo regulamentar do meu humor e da minha capacidade de simpatia. O que dizer de um palestrante que ama a própria voz ? E emails do tamanho de teses de mestrado? E teses de mestrado? E novelas que duram 8 meses?
Estou dando a impressão de que fui abduzida por esse mundo que não enaltece o prazer, que não se entrega à reflexão, que não curte as travessias. Mas a verdade é que eu ainda me regalo - e muito - com prazeres, reflexões e travessias, sem achar que para isso é necessário que eles me esgotem, que me obriguem a chegar na outra margem sem fôlego.
Para provar que não sou um caso totalmente perdido, algumas coisas ainda aprecio que sejam longas, como as amizades, as caminhadas, as conversas em volta da mesa, nosso tempo de vida... E uma boa transa, claro.
Já sexo tântrico é outro exagero. Cinco horas para atingir o orgasmo? Este pessoal não tem que trabalhar no dia seguinte? "
Tela: Fernand Khnopff