quarta-feira, agosto 29, 2007


"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, parasita, ridículo, mesquinho, grotesco, arrogante... todo o resto que comigo fala nunca teve um ato ridículo, nunca foi senão príncipe... Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?" "Poema em Linha Reta"- Fernando Pessoa

"sou de touro quando entro na arena
com a cabeça baixa e os olhso abertos
farejando quem quer me matar e me comer
sou de leão quando sacudo a cabeleira
dando a senha para que se aproximem
sintam meu cheiro de fêmea e menina
sou de câncer quando caio de cama
doente sem vacina e sem chance
deixando que ardam emus erros fatais
sou de gêmeos quando digo sim e não
quero e não quero e ambos
há várias rainhas no comando do reino
sou de sagitário quando enterneço e choro
miro a flecha rumo ao berço
quero voltar pra onde não existe problemas
sou de aquário quando rejeito comida
quando me falta ar embaixo do chuveiro
meus banhos são quentes demais
sou de libra quando ganho dinheiro
embolso meu estoque de bons atos
ninguém paga meu prato feito
sou de áries quando faço loucuras
e como as faço e como as convoco
porém quieta pra não alertar os invejosos
sou de virgem quando abro as pernas
ofereço o vermelho dos lábios
arremeço um grito e feneço
sou de escorpião quando me ferro
meto os pés pelas mãos e tudo lateja
onde mais dói é na cabeça
sou de peixe quando salgada
não há péle como a minha
não há carne mais tenra
sou de capricórnio quando me açoitam
batam mais e batam tudo
que eu nasci doze vezes foi para isso mesmo."
Marta Medeiros

De onde vens assim, abusado?
Conhecedor das minas dos vales e córregos
de meu corpo.
De onde vens assim sabedor das sinas dos males e trópicos
de meu corpo.
Iluminas meu pescoço com uma mordida antiga
meu homem e minha amiga
de onde vens assim, obcecado
manchando excesso de batom nos grandes lábios
vaidoso príncipe da mata.
Me come me mata
e ao terceiro dia ressuscito com teus beijos
Seixos, teus gemidos me habitam quietos como um rio
assíduo, velho conhecido.
Tens sorte de eu ser poeta
e fazer poesia ao invés de baixaria na sua porta.
Se comporta, moço e não me falte tanto
Estar longe da sua pele
é como ter alguém que me rouba o cetim
Marron cobre jardim de reluzências
De onde vens, indecência,
com esses destinos riscados na palma da mão?Passe então essa flor no meu rosto
me lambuza com essas linhas, criatura
alisa minhas pernas com essa partitura
cheia de dedos na extremidade.
Revoga essa calamidade
de a gente se arvorar em se querer.
Ah cheiro de moço, candura de menino
Ah fundo sem poço, tontura de felino
Cancela esse latino amor que está por vir
daqueles que quando a gente vê, já doeu
daqueles que quando a gente nega, já se estabeleceu
Ai, de onde vens com esse fogo,
Prometeu?
Elisa Lucinda

terça-feira, agosto 28, 2007

Vale a pena assistir esse vídeo com a Sumi Jo cantando Ave Maria de Caccini
http://youtube.com/watch?v=HIeCthPXJiw

sábado, agosto 25, 2007


"Alivia minha alma, faze com que eu sinta que tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar não é morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que eu me lembre de que também não há explicação para o mundo e que eu receba este mundo sem receio, pois para ele eu fui criada e então deve haver uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la.
Abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que eu durmo, faze com que eu tenha caridade por mim mesma pois senão não poderei sentir que Deus me amou, faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora da minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém." Clarice Lispector
Pintura: Fernand Khnopff

quinta-feira, agosto 16, 2007

Árvore genealógica moderna



- Mãe, vou casar!!!

- Jura, meu filho?! Estou tão feliz! Quem é a moça?

- Não é moça. Vou casar com um moço. O nome dele é Júlio.

- Você falou Júlio... ou foi meu cérebro que sofreu um pequeno surto psicótico?

- Eu falei Julio. Por que, mãe? Tá acontecendo alguma coisa?

- Nada, não... Só minha visão é que está um pouco turva. E meu coração, que talvez dê uma parada. No mais, tá tudo ótimo.

- Se você tiver algum problema em relação a isto, melhor falar logo...

- Problema? Problema nenhum. Só pensei que algum dia ia ter uma nora... Ou isso...

- Você vai ter uma nora. Só que uma nora... meio macho. Ou um genro meio fêmea.

Resumindo: uma nora quase macho, tendendo a um genro quase fêmea.

- E quando eu vou conhecer o meu... a minha... o Julio

- Pode chamar ele de Biscoito. É o apelido.

- Tá! Biscoito... Já gostei dele. Alguém com esse apelido só pode ser uma pessoa bacana. Quando o Biscoito vem aqui?

- Por quê?

- Por nada. Só pra eu poder desacordar seu pai com antecedência.

- Você acha que o papai não vai aceitar?

- Claro que vai aceitar! Lógico que vai. Só não sei se ele vai sobreviver... Mas, isso também é uma bobagem. Ele morre sabendo que você achou sua cara-metade. E olha que espetáculo: as duas metades com pinto...

- Mãe, que besteira... hoje em dia... praticamente todos os meus amigos são gays.

- Só espero que tenha sobrado algum que não seja... pra poder apresentar pratua irmã.

- A Bel já tá namorando.

- A Bel? Namorando?! Ela não me falou nada... Quem é?

- Uma tal de Veruska.

- Como?

- Veruska...

- Ah, bom! Que susto! Pensei que você tivesse falado Veruska.

- Mãe!!!

- Tá..., tá..., tudo bem...Se vocês são felizes. Só fico triste porque não vou ter um neto...

- Por que não? Eu e o Biscoito queremos dois filhos. Eu vou doar os espermatozóides. E a ex-namorada do Biscoito vai doar os óvulos.

- Ex-namorada? O Biscoito tem ex-namorada?

- Quando ele era hétero. A Veruska.

- Que Veruska?

- Namorada da Bel...

- "Peraí".

A ex-namorada do teu atual namorado... É a atual namorada da tua irmã... que é minha filha também... que se chama Bel.

É isso? Porque eu me perdi um pouco...

- É isso.

Pois é... a Veruska doou os óvulos. E nós vamos alugar um útero.

- De quem?

- Da Bel.

- Logo da Bel?! Quer dizer, então... que a Bel vai gerar um filho teu e do Biscoito. Com o teu espermatozóide e com o óvulo da namorada dela, que é aVeruska?!?...

- Isso.

- Essa criança, de uma certa forma, vai ser tua filha, filha do Biscoito,filha da Veruska e filha da Bel.

- Em termos..

.- A criança vai ter duas mães: você e o Biscoito. E dois pais: a Veruska e a Bel

- Por aí...

- Por outro lado, a Bel..., além de mãe, é tia... ou tio... porque é tua irmã.

- Exato.

E ano que vem vamos ter um segundo filho. Aí o Biscoito é que entra com o espermatozóide. Que dessa vez vai ser gerado no ventre da Veruska...com o óvulo da Bel. A gente só vai trocar.

- Só trocar, né?

Agora, o óvulo vai ser da Bel. E o ventre, da Veruska.

- Exato.

- Agora, eu entendi! Agora eu realmente entendi...

- Entendeu o quê?

- Entendi que é uma espécie de swing dos tempos modernos!

- Que swing, mãe ?!!...

- É swing, sim! Uma troca de casais... com os óvulos e os espermatozóides, uma hora do útero de uma, outra hora no útero de outra...

- Mas...

- Mas, uns tomates! Isso é um bacanal de última geração! E pior...com incesto no meio.

- A Bel e a Veruska só vão ajudar na concepção do nosso filho, só isso...

- Sei... E quando elas quiserem ter filhos...

- Nós ajudamos.

- Quer saber? No final das contas não entendi mais nada. Não entendi quem vai ser mãe de quem, quem vai ser pai de quem, de quem vai ser o útero, o espermatozóide...

A única coisa que eu entendi é que...

- Que...?

- Fazer árvore genealógica daqui pra frente... será uma merda!

(Luiz Fernando Veríssimo)
" Enquanto isso, aqui na nave Terra, os leões que rugem fazendo publicidade de si mesmos, no íntimo não passam de gatinhos assustados, que precisam de aplausos e bajulações para sustentar a teia pegajosa de vaidades em que suas almas ficaram presas. Os vaidosos se acham insubstituíveis, mas é longa a fila de outros vaidosos que espera a oportunidade sinistra de puxar o tapete do vaidoso de plantão para se empossar no que pensam ser uma armadura contra a mediocridade, mas que é mera armadilha. OS LEÕES DE VERDADEIRO BRILHO ( enfim),
são aqueles humanos que, tendo aproveitado devidamente as crises grandes e pequenas em que se envolveram, aumentaram a dose de amor que irradia do centro de seus corações e, por ISSO, se transformaram em pessoas essenciais." Quiroga

terça-feira, agosto 14, 2007


" A sociedade humana criou a linguagem para podermos comunicar nossos pensamentos, sentimentos e intenções".Mas minha opinião é que a origem da fala está no canto, e as origens do canto na necessidade de preencher com SOM o vazio grande demais da alma humana. J.M.Coetzee

Erótico

Marcos Mazzaro

Nada me sacia. Só a boca macia, aveludada, de uma imagem diáfana e carnal. Cultuo a beleza e o cheiro e a forma. A Lua uiva. Mas são os cães gemendo, os gatos no telhado, os bichos encantados. A noite tem estrelas. Muitas. E o desenho Dele enquadrado na moldura da janela bem poderia ser um Renoir ciber eletrônico digital. Ele está nu e acordado ainda. A pele brilha em alta definição. Mas o que mais me excita, o que mais nos faz próximos, é o que ele exala. Algo natural vem da pele bruta. E Lapida meu Diamante.
Não consigo resistir ao apelo do que paira no ar. É belo demais e pede para ser tocado, engolido, devorado. E não resiste. Nos meus braços se desmancha quando o pego por trás e o invado pouco a pouco, com a calma de um Lord.
Ainda emoldurado pela janela posso agora me ver e sentir nós dois, juntos. Como se me transportasse pelas dimensões em um instante mágico. Meu corpo levita e a alma suspira quando lá, possuindo seu maior bem, ouço seu gemido e o corpo desaguar. Anjos devem ter passado por ali, incensando aquele instante, pleno: era o gozo puro, o vinho seco, o aroma apimentado, e um deus misterioso, lá das profundezas tudo regendo e ao mesmo tempo, consentindo.
Ele dizia Amém a cada estocada, ele rezava e oferecia sua boca seguindo como numa dança o movimento combinado dos corpos suados. E dizia que me amava. E eu acreditava, embebedado por cada gota do instante que escoava. Absinto. Tudo transpirava. A temperatura era quente e aconchegante. Um vento parecia enlevar os corpos, agora sem espaço, sem limite, sem roupas, sem nada. Deixei meu corpo se entender com outro corpo, segui o conselho do maior poeta, Drummond. Deixei sim. Porque os corpos se entendem mas as almas não. Até mesmo quando tudo é apenas Sonho...

Mas há a vida
Clarice Lispector

Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.
Que tem que ser
vivido até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

quinta-feira, agosto 02, 2007


A Despedida do Amor
Martha Medeiros

Existem duas dores de amor:
A primeira é quando a relação termina e a gente, seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro, com a sensação de perda, de rejeição e com a falta de perspectiva, já que ainda estamos tão embrulhados na dor que não conseguimos ver luz no fim do túnel.
A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.


A mais dilacerante é a dor física da falta de beijos e abraços, a dor de virar desimportante para o ser amado. Mas, quando esta dor passa, começamos um outro ritual de despedida: a dor de abandonar o amor que sentíamos. A dor de esvaziar o coração, de remover a saudade, de ficar livre, sem sentimento especial por aquela pessoa. Dói também...

Na verdade, ficamos apegados ao amor tanto quanto à pessoa que o gerou. Muitas pessoas reclamam por não conseguir se desprender de alguém. É que, sem se darem conta, não querem se desprender. Aquele amor, mesmo não retribuído, tornou-se um souvenir, lembrança de uma época bonita que foi vivida... Passou a ser um bem de valor inestimável, é uma sensação à qual a gente se apega. Faz parte de nós. Queremos, lógicamente, voltar a ser alegres e disponíveis, mas para isso é preciso abrir mão de algo que nos foi caro por muito tempo, que de certa maneira entranhou-se na gente, e que só com muito esforço é possível alforriar.
É uma dor mais amena, quase imperceptível. Talvez, por isso, costuma durar mais do que a "dor-de-cotovelo" propriamente dita. É uma dor que nos confunde. Parece ser aquela mesma dor primeira, mas já é outra. A pessoa que nos deixou já não nos interessa mais, mas interessa o amor que sentíamos por ela, aquele amor que nos justificava como seres humanos, que nos colocava dentro das estatísticas: "Eu amo, logo existo".
Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo. É o arremate de uma história que terminou, externamente, sem nossa concordância, mas que precisa também sair de dentro da gente...
E só então a gente poderá amar, de novo.