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"Por que precisa você de um texto se sua voz e interpretação sem auxílio dele são mais expressivas e significativas do que quaisquer palavras?" Dorotee Eberlein
Tenho tanto sentimento
Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar.
Fernando Pessoa, 18-9-1933
"Quem sempre olha para trás,
não vê senão sua sombra".
Vi todas as coisas, e maravilhei-me de tudo,
Mas tudo ou sobrou ou foi pouco - não sei qual - e eu sofri.
Vivi todas as emoções, todos os pensamentos, todos os gestos,
E fiquei tão triste como se tivesse querido vivê-los e não conseguisse.
Amei e odiei como toda gente,
Mas para toda a gente isso foi normal e instintivo,
E para mim foi sempre a exceção, o choque, a válvula, o espasmo.
Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual, ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem por entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida."
Fernando Pessoa, passagem das horas"
Foto tirada em Terra Ronca-GO por Diederich Peeters
Sonho. Não sei quem sou.
Fernando PessoaSonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me.
Na hora calma Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.
Se existo é um erro eu o saber.
Se acordo Parece que erro.
Sinto que não sei.
Nada quero nem tenho nem recordo.
Não tenho ser nem lei.
Lapso da consciência entre ilusões,
Fantasmas me limitam e me contêm.
Dorme insciente de alheios corações,
Coração de ninguém.

Foto: Diederich Peeters
"Se não me for dado encontrar-tenesta minha vida, permite-me então sentirsempre que eu não consegui te enxergar.Permite que eu não me esqueça disso porum só momento.Deixa-me arrastar o tormento dessa tristeza nos meus sonhos enas minhas horas de vigília.Enquanto os meus dias se passaremno confuso mercado deste mundo,enquanto as minhas mãos se encheremcom os ganhos do dia, permite-me sentirque eu nada ganhei. Permite que eu não meesqueça disso por um só momento.Deixa-me arrastar o tormento dessa tristeza nos meus sonhos enas minhas horas de vigília.Quando eu me sentar à beira do caminho, cansado e ofegante, quando euestender a minha esteira no chão,permite-me sentir que a longa jornada aindacontinua diante de mim.Permite que eu não meesqueça disso por um só momento.Deixa-me arrastar o tormento dessa tristeza nos meus sonhos enas minhas horas de vigília.Quando a minha casa estiverenfeitada e nela soarem as flautas e osrisos, permite-me sentir que eu não teconvidei para a minha festa. Permite queeu não me esqueça disso por um só momento.Deixa-me arrastar o tormento dessa tristeza nos meus sonhos enas minhas horas de vigília."Rabindranath Tagore, in "Gitanjali" (Song offerings/Oferenda lírica, 1913)